Por Patricia Jacob*

Hoje gostaria de falar sobre algo que me incomoda já tem muito tempo: o filme “O Segredo”. O livro não li, mas sei que é considerado no momento o ‘top’ dos livros de auto-ajuda. Sempre costumo dizer que auto ajuda NÃO é psicologia! Com exceção de uns poucos livros, a maioria só serve pra animar as pessoas por uns dois ou três dias, mas na verdade não muda nada. Se realmente ajudassem, não precisariam lançar tantos a cada mês.

Mas voltando ao Segredo, o marketing em torno dele é tamanho que chega a nos tirar a capacidade de reflexão, e por isso gostaria de convidá-los a pensar um pouco mais sobre o que dizem. Pra quem não conhece, os autores dizem estar revelando um segredo milenar, conhecido apenas por poucos, mas que vai ajudar as pessoas a conseguirem tudo o que desejarem. Diz que qualquer coisa que você deseja pode ser atraído pra você através da força do pensamento.

Aqui eles se aproveitam de uma idéia muito legal já bastante conhecida por filosofias orientais, mas americanizaram essas idéias e estragaram tudo, claro! Não só estragaram, mas fizeram a coisa ficar muito, mas muito perigosa, quando focam o TER o tempo todo! Virou a ciência de como ficar rico. “Não tem a casa dos seus sonhos? Não se preocupe mais! A casa dos seus sonhos depende somente do seu desejo!” “Quer o namorado dos seus sonhos? Não se preocupe, ele será seu e isso só depende do seu desejo!” Mas e o desejo do outro, não vale???

Pra mim, esse livro só trata de duas coisas: individualismo e consumismo.

Um dos grandes erros no pensamento que o filme traz, é que VOCÊ é o centro do Universo, e que o Universo trabalha pra você. Não! Nós somos parte de um Universo. Nós seres humanos não somos feitos pra sermos o que quisermos, mas sim pra sermos o que somos. Nós temos limites como seres humanos, assim como qualquer ser vivo nesse planeta tem seus limites. Há um limite no que eu preciso e deveria haver um limite no que desejo também… Nós não podemos agir como se fossemos deuses que dizem “eu quero” e atraem o desejo pra si.

Falta aqui a explicação de como tudo isso se aplicaria às pessoas na África, por ex. Como se pode dizer que eles atraem tamanha miséria, fome e doenças? Porque simplesmente a tal da ‘lei da atração’ não se aplica aí!!! Nossa sociedade toda é responsável por esse mundo muito injusto, cheio de exploração, cheio de hipocrisia e falta de oportunidade. Não se pode culpar somente a população dos países que sofrem por isso, como se eles é que atraíssem isso pra si. É muito mais provável que alguém do primeiro mundo consiga materialmente algo que queira, mais provável do que alguém na Somália, por ex. Mas isso não é crédito dos americanos ou culpa dos somalis! Isso é algo que fica fora da lei da atração.

Na psicologia, chamamos esse comportamento de egocentrismo. O egocentrismo é quando acho que o meu desejo é o que deve imperar sempre. Ao longo de nossa primeira infância passamos por algumas fases de desenvolvimento, e uma delas (chamada fase anal, nomezinho esquisito, não é?) que vai de 1 ano e meio até cerca de 4 anos e meio, é caracterizada pelo fato de que você é centrado em você mesmo. O que conta é você e seu desejo! Se eu desejo que minha mãe largue o chuchu no fogo pra me dar atenção AGORA, ela TEM que largar tudo, senão eu faço um escândalo.

O egocentrismo é normal nessas fases e é só com o amadurecimento e as lições da vida que a criança começa a perceber que não é o centro do mundo, e começa a aprender sobre respeito, limites, tolerância, etc. Ficar emocionalmente ‘paralisado’ em uma dessas fases é patológico. Se a criança não tem a educação apropriada aqui, ela vai se tornar um adulto mimado. Ela quer! Ela quer que o mundo a sirva e ela nunca se satisfaz com o que tem… ela vai querer sempre mais e será muito infeliz. Hoje em dia temos acesso a tanta coisa e ainda assim seguimos sentindo que nos falta algo sempre. Talvez o segredo real esteja no fato de estarmos procurando no lugar errado pelas respostas…

*Patrícia Jacob é psicóloga formada pela USP-SP.

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